"Mais uma newsletter sobre marcas?", eu pensei. Mas era isso ou seguir enchendo os amigos de longas mensagens em grupos de WhatsApp, produzindo textos esparsos no Linkedin ou fazendo Stories perdidos no Instagram. Era hora de conectar tudo o que penso e sinto.
E, em mais de 20 anos de carreira, eu tenho pensado muito e sentido muita preocupação com a maneira como a publicidade vem sendo feita. Atualmente, meus questionamentos são majoritariamente sobre como conectar o ecossistema de marcas a um pensamento regenerativo e sustentável, aproximando mensagens institucionais e comerciais - e não olhando estes dois aspectos da comunicação de forma apartada e quase conflitante.
Mas não apenas isso. Minha vivência também me faz questionar, mais e mais, a forma como o negócio publicitário ocorre da porta pra dentro: fatores ambientais, sociais e de governança, afinal, não são dever apenas das corporações às quais servimos, mas também das agências, boutiques de criação e design, pools de influenciadores etc.
No final de 2024, escrevi em minha retrospectiva no Linkedin:
“Em 2025, não quero apenas uma publicidade mais ética. Quero uma publicidade que seja instrumento de reconciliação social, que olhe além dos números e enxergue humanidades. Criar comunicações que respeitem pessoas, provoquem transformação e equilibrem impacto econômico e social. A regeneração não é um destino. É um caminho que construímos a cada escolha, a cada campanha, a cada reflexão. A jornada continua e ela só faz sentido se for coletiva.”
Por mais que soe estranha uma autorreferência, ela explica bastante o passo de estar aqui, me vulnerabilizando e externando pensamentos para gerar uma troca sincera com quem decida vir junto e se dedicar e ler este material. Se eu não fizesse isto, estaria traindo minhas próprias palavras. Estaria me traindo.
O que você pode encontrar aqui?
(por enquanto)
📢 análises de campanha: como usar o que aprendi ao longo dos anos e a minha voz para colaborar com um maior letramento em impacto, sustentabilidade e evolução do mercado, no sentido de uma comunicação e publicidade melhores, mais eficazes e menos cegas às questões urgentes e importantes do nosso mundo hoje.
📖 recomendações de leitura: artigos, livros, matérias
🧠 reflexões: geralmente a parte onde conecto vários pontos de informação para elaborar um pensamento mais complexo e que pode ter ou não relação direta com marcas e comunicação mas que, em alguma medida, pode inspirar um insight ou trazer uma nova lente sobre a sociedade em que vivemos.
📢 As marcas e a COP30
Sem dúvida, o briefing do ano é para posicionar e preparar a participação das grandes marcas para a COP30 (o briefing do BBB já foi, esse era o desafio da virada do ano, já está implementado).
E quem saiu na frente, saiu de um jeito um pouco - para não dizer muito - questionável: a Vale anunciou que irá lançar um álbum de figurinhas (sim, o trocadilho com a Copa esteve presente até mesmo no press release publicado pelo Meio&Mensagem) cujo objetivo “além de celebrar a diversidade, é transmitir a mensagens, para crianças e adultos, a respeito da importância da conservação da natureza.”
O nome disso a gente já sabe: greenwashing. Parece piada para a empresa que tão pouco tempo atrás foi responsável por dois dos maiores desastres ambientais que tivemos no país. Principalmente quando, na mesma semana, sai uma pesquisa da Fiocruz evidenciando a contaminação de 100% das crianças de Brumadinho. Foram encontrados nas amostras de urina metais como arsênio, mercúrio e chumbo acima dos níveis permitidos, seis anos após o rompimento da barragem que culminou na morte de 272 pessoas.
Mas, como fazer diferente? Qual seria a solução viável para a agência, ao receber o briefing da COP30? A Vale tem inúmeros programas de preservação da natureza, muitos junto à populações da Amazônia. Por que não falar deles, mostrando os resultados concretos, de forma lúdica e de fácil assimilação? A própria campanha recente “Tem a ver com a Vale” foi feliz ao mostrar onde os minérios extraídos são usados em nossas vidas. Por que não aproveitar e dar continuidade a ela? Confesso que fiquei me questionando.
Por experiência, afirmo: quando marcas de áreas sensíveis (mineração, óleo&gás, moda/indústria têxtil) encaram de frente seus consumidores e falam abertamente sobre suas vulnerabilidades e sobre os aspectos concretos de seus programas socioambientais, os indicadores de reputação tendem a melhorar. A sociedade começa a se aproximar do entendimento de que, por mais indesejadas e perigosas que estas atividades sejam, estão inseridas na ambivalência dos processos extrativistas, que tem ônus mas também podem trazer benefícios para o desenvolvimento humano. E uma conversa mais franca sobre limites e alternativas da exploração destas atividades pode emergir daí, juntamente com uma publicidade mais responsável e menos indiferente.
📖 O século do isolamento
Aparentemente, nunca fomos tão sociáveis: estamos conectados 24x7 através de nossos celulares, onipresentes em nossas vidas. Temos nossas listas de amigos e seguidores no Instagram, participamos ativamente em grupos de WhatsApp, trocamos mensagens pelo TikTok, somos o país que mais envia áudios. Mas será que essa conexão é, de fato, real?
Li recentemente o artigo The anti-social century, da revista The Atlantic (é longo e vale cada minuto). Nele, o autor Derek Thompson faz uma análise e conexão muito interessantes entre urbanismo, desinvestimento público, acesso a tecnologia e solidão. E demonstra que os norte-americanos estão passando mais tempo sozinhos do que nunca, impulsionados por games, apps de delivery, e-commerce, custo de transporte etc. e isto traz consequências não apenas para seu desenvolvimento cognitivo e relacionamentos como também para a economia, o modo como encaram a política e até sua forma de interpretar a realidade.
Uma parte me chamou bastante atenção pois me fez refletir sobre o esgarçamento das nossas relações cotidianas. Segundo o artigo, temos 3 “anéis de sociabilidade” e cada um deles nos ensina uma coisa.
- O anel mais interno é fomentado pela relação com família e amigos muito próximos e nos ensina amor.
- O anel intermediário é a “vila” (a convivência nas ruas de uma cidade, por exemplo) e nos ensina a tolerância.
- O anel mais exterior são as as afiliações e nos ensinam sobre pertencimento a tribos (pense em times de futebol ou escolas e samba e até partidos políticos, ou as religiões )
Uma vez que as pessoas estão cada vez mais em casa, isoladas, o anel intermediário se esfarelou. Com isso, a tolerância. Perdemos a capacidade de discordar na “praça pública”. Por outro lado, as afiliações se fortaleceram e temos a capacidade de dizer virtualmente coisas que raramente falaríamos pessoalmente, porque no meio seremos amparados por “iguais". Isso me fez lembrar sobre a polarização galopante que vivemos nas redes sociais recentemente e que estremeceu até mesmo o primeiro círculo, dos nossos laços familiares.
Pensa comigo: quantas vezes você se irrita ao sair de casa e ter apenas que conviver com outros seres humanos? Já parou pra imaginar que eles também se irritam com você? A convivência é como uma musculatura que, se não exercitada, também atrofia. Como anda o seu isolamento?
🧠 Essa tal masculinidade
E o Mark, hein? Após desmantelar os programas de DE&I (diversidade, equidade e inclusão) da Meta, mencionou que estava faltando mais “energia masculina” nas empresas. Uma aparente viagem no túnel do tempo, quando o então brilhante garoto universitário, porém com um sistema moral duvidoso, criou uma rede social para que as meninas do campus fossem rankeadas.
Viagem no túnel do tempo também ocorre no episódio “CPF na nota?" da Rádio Novelo Apresenta, no qual a jornalista e escritora Vanessa Bárbara revive um trauma de 14 anos atrás, a partir de um casamento com traição e violência psicológica mas também com o adendo de ter sua intimidade exposta - por seu próprio marido - em um grupo de e-mail (a lista FPC) com 15 homens de seu círculo social e profissional. Um relato pungente, que foi capaz de fomentar discussões, textões, vídeos, uma infinidade de manifestações, contra e a favor de sua decisão de narrar sua dor. Curiosamente ou não, entre os argumentos mais repetidamente citados para que ela não trouxesse à tona novamente sua dor, estavam falas como “mas isso é muito perigoso para a reputação destes homens” ou “eles eram jovens”(tinham cerca de 30 anos na maioria) ou “homens de esquerda intelectual têm um alvo na testa”. Vamos nos lembrar que quem tem alvo na testa no Brasil são jovens negros que morrem a cada 23 minutos, majoritariamente por violência do Estado.
Para entender o que o Mark quis dizer com “energia masculina” e o que ela, de fato, pode ser ou não, recorro à conversa da Tatiana Vasconcellos com o Pedro Ambra, professor de psicologia da PUC-SP e autor do livro ‘O que é um homem? Psicanálise e história da masculinidade no Ocidente’. O papo na íntegra está aqui.
Pedro nos demonstra que a ideia dessa energia à qual se refere Zuckerberg é, na verdade, uma associação falaciosa, um "mito viril" de que a agressividade seria uma característica inerente aos homens. E que, em todos os momentos de crise da sociedade, esse discurso tende a retornar. Ele se manifesta a partir da falsa sensação de perda de poder que estes homens tem tido na atualidade, justamente pelos avanços de direitos obtidos por parcelas minorizadas - não minoritárias - da sociedade, como as mulheres e os LGBTQIAPN+. Talvez isso também explique o afã dos defensores dos 15 homens do FPC: uma sensação de que estão sob escrutínio e, agora, dados os avanços das mulheres, não podem mais se comportar como outrora.
No entanto, o professor também nos faz refletir que, se por um lado vemos a ascensão de um discurso “masculinista, quase primata”, por outro o que se vê chegando à clínica psicanalítica é um homem desorientado, fragilizado, com angústias demasiado humanas e alta fragilidade psíquica. Talvez essa fragilidade explique o desejo de retorno a um passado idealizado. Afinal, conservadorismo tem a ver com esse “retorno ao passado idealizado” de que o Pedro fala.
Esses episódios recentes me fizeram lembrar de duas notícias mais antigas: a primeira, de estudos nos quais ficou demonstrado que as mulheres estão se dirigindo em maioria para um campo político progressista enquanto os homens estão tendendo para o campo conservador , principalmente na geração Z. A segunda, sobre o movimento 4B na Coreia do Sul, no qual mulheres abdicam totalmente de se relacionarem afetiva ou sexualmente com homens. E, aqui, volto ao segundo texto, do século do isolamento: estaríamos tão enjaulados em nossas bolhas de gênero, a partir de um consumo algorítmico, que já perdemos a capacidade de nos conectarmos com o que há de diferente no outro?
Se não há, como defende Ambra, uma masculinidade única e essencial, entendo que os homens podem moldá-la da maneira que quiserem. Nesse sentido, os documentários “The mask you live in” e “Precisamos falar com os homens” nos ajudam a refletir sobre suas múltiplas possibilidades. E, aqui, celebro uma das mais interessantes iniciativas que vi sobre o tema: o MEMOH, projeto iniciado como grupo de conversa, vivência e troca entre homens que hoje já estendeu sua atuação para consultorias e workshops feitos por e para homens rediscutirem seu papel na sociedade.
No campo das marcas e da publicidade, são recentes os avanços com relação a um maior equilíbrio da balança de poder entre homens e mulheres, tanto na representação das mulheres em campanhas como na representatividade delas dentro das agências. Iniciativas a alteração do posicionamento da Skol, abandonando discursos sexistas e o surgimento de consultorias como 65/10 e a startup de impacto social More Grls tem cerca de 10 anos ou menos.
Seria inocente dizer que é cedo para avaliar o que estas declarações, casos e decisões recentes trarão de impacto. Já estamos vivenciando as consequências de algumas delas. A questão que fica é: de que forma os homens que discordam desse conservadorismo se organizarão? Eles se organizarão? A masculinidade tradicional exige um alto grau de lealdade, mesmo diante dos erros de outros homens. Penso que estamos diante de um momento crucial, no qual os ditos aliados serão testados ao extremo: manter o pacto da broderagem ou se levantar diante do retrocesso?
Carla, que bom que tenha criado esse espaço. Já são alguns anos de interlocução e vai ser um privilégio acompanhar um desenvolvimento mais detido do seu pensar. Agrego, dentro da discussão que fizeste sobre a COP, que não vejo nenhuma empresa de fato apresentando algo que tenha caráter regenerativo, sustentável (name it as you like it). Nem a Natura (antes que perguntem). Consequentemente, pouquíssimas pessoas desse meio têm sequer ideia do que é a conferência do clima. E as exceções conhecem a conferência para pode fazer lobby de freio de mudanças. Acho que muitas fichas vão cair nessa COP, e deve ser mais ponto de partida que ponto de chegada. Com esse desconhecimento geral, suponho que quem se arriscar a fazer algo, tem muito mais perigo de errar feio do que se aproveitar a chance de ficar calado. Eu sei, essa posição é bem conformista. Mas há uma razão bem material pela qual empresas, indústria e, consequentemente, marcas, não façam parte da COP. Quando elas apareceram, geraram rechaço. Não são oficialmente convidadas nas categorias governo, sociedade civil e imprensa (mas criam fundações para participar). Valeria, como sempre, a criação de um grupo de estudos intercontinental para avaliar quem já tentou, etc, mas se fosse dizer pelo meu feeling das 3 conferências de que participei, há que passar a existir um grupo de empresas que deixe claro qual é seu objetivo em termos de clima e biodiversidade (esquece ESG, tem que ser muito mais concreto), para que então se crie um caminho de participação em COPs. Sugiro com veemência o trabalho da Lorraine Smith, e os desenvolvimentos do conceito de industrial healing, pra pensar esse caminho. Acho que vocês duas numa mesa de bar pode ser um objetivo de vida.
Ótimas reflexões, Carla. Sigo você há tempos e sempre me inspiro em seus posicionamentos que desafiam esse lugar de trabalhar com marcas e vendas e buscar equilibrar isso com responsabilidade. Seguirei acompanhando e comentando.